O caixa dois representa uma omissão de receita, que não foi declarada às autoridades, gerando um abominável crime[1]. Essa conduta também pode estar relacionada a qualquer forma de pagamento (corrupção ativa), ou recebimento (corrupção passiva), podendo configurar várias práticas criminosas.
A prática de caixa paralelo pode ser interpretada e/ou enquadrada em várias hipóteses de crimes diferentes, somando-se várias penalidades:
Obs.: O vilão não é apenas o caixa dois ocultado por omissão de receita e evasão de tributos, mas também, por saldos fictícios de caixas que caracteriza maquiagem do balanço. A maquiagem pode ser para o balanço ficar bonito, para fins de qualificação econômico-financeira em uma licitação demonstrando uma situação de solvência, ou horrível, demonstrando a aparência de uma situação de insolvência para se pagar haveres de sócio retirante. Ninguém em sã consciência dúvida que a maquiagem de caixa serve a todos os tipos de interesses profanos e difusos. Trata-se de uma festa, quando aparece o fiscal da SRF, o caixa está magro, e quando aparece um investidor, o caixa está gordo, e assim, se desenvolve o enredo onde surge a narrativa da festa no Brasil, em que o caixa é o protagonista principal e o balanço patrimonial é o coadjuvante que atua como ajudante para o espetáculo do ilusionismo financeiro.
O caixa “dois” vinculado à pessoa jurídica, pode ser presumido, e entendido como omissão de receita, nos termos do RIR[4] e caracteriza uma prova substancial nas seguintes hipóteses:
Cabe alertar que uma coisa é a prescrição em relação à cobrança de tributos e contribuições sociais, e outra, totalmente distinta, é a prescrição vinculada ao crime de evasão e/ou de balanço falso, cujos prazos normalmente são maiores.
Quem pratica a torpeza, não pode dela se beneficiar, e a doutrina[5] se posiciona no seguinte sentido: (...) “caixa dois” obtido por vias transversas, o perito como dito, se existir tal figura, deve considerar[6], para fins de apuração de haveres, pela sua inclusão no patrimônio líquido e na precificação do fundo de comércio, pois se não for considerado, gera uma locupletação sem causa de uma das partes, já o juiz não necessita ser provocado em relação a isto, pois tem o dever de ofício de tomar providências, por força do CPP, art. 40, “Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia”.(...)
Um diagnóstico pericial da existência de caixa dois ou paralelo, representa a análise pericial contabilística de: um crime, uma lesão patrimonial, das perdas danos e lucros cessantes, inclusive o epistemicídio contábil, fraudes, evasões, abuso de direito ou de poder, desvio de bens, desclassificação da escrita contábil e seus supostos elementos probantes, haveres ou deveres, entre outras hipóteses, parte de uma análise investigativa, pesquisa, reconhecimento, descrição minuciosa de uma situação com base em método científico, para se obter, pela via de cognição, a determinação, identificação, indicação, qualificação de alguma coisa, com uma dosimetria de asseguração contábil. O diagnóstico pericial é um elemento descritivo, tipificado e constante da Teoria da Eficiência da Prova Pericial Contábil. O diagnóstico deve ser feito por investigação e testabilidade, nos documentos tidos pelos litigantes como probantes e que instruíram a demanda, os quais devem ser adequados em sua extensão de evidências ao que se pretende demonstrar. O diagnóstico está ligado à asseguração contábil, que pode ser: razoável, limitada ou inexistente, o que inclui especificidades dos atos e fatos patrimoniais, tais como: o conjunto da escrituração contábil e suas demonstrações financeiras, o perfil do agente, padrão de conduta, a tipicidade, a situação econômico-financeira-social, a cronologia dos atos e fatos, e a hipótese de aferição por arbitramento, entre outras.
A preparação do dossiê contábil probante[7] é deveras relevante, para se demonstrar a verossimilhança probante vinculada ao direito alegado, qualificando e quantificando este direito por meio de informações/documentos contábeis.
Em síntese, o dossiê contábil representa uma narrativa do fato, com todas suas ocorrências e características, devendo apontar, objetivamente os elementos probantes em que se funda a ação.
Os brasileiros de boa índole, esperam que os juízes observem o art. 40 do CPP, já que o interesse público, a democracia, a epiqueia contabilística, o código deontológico dos contadores, e o sistema CFC/CRC’s, impõem um rigoroso combate ao caixa e a contabilidade paralela, assim como, reprovam as condutas fraudulentas nos balanços patrimonais, sejam estes pelo ente público ou privado, e o não debate do tema, pari passu com a aplicação de medidas eficazes de aprimoramento dos controles internos das células sociais, pode interromper o árduo caminho ao topo da credibilidade do labor dos contadores e auditores em relação aos seus relatórios e prestação de serviço.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
______. Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.
______. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.
______. Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
______. Lei 7.492, de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências.
______. Lei 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências.
______. Código Eleitoral - Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral.
______. Decreto 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
______. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
HOOG, Wilson A. Moderno Dicionário Contábil. 11. ed., Juruá, 2020.
______. Prova Pericial Contábil – Teoria e Prática. 17. ed., Curitiba: Juruá, 2022.
As reflexões contabilísticas servem de guia referencial para a criação de conceitos, teorias e valores científicos. É o ato ou efeito do espírito de um cientista filósofo de refletir sobre o conhecimento, coisas, atos e fatos, fenômenos, representações, ideias, paradigmas, paradoxos, paralogismos, sofismas, falácias, petições de princípios e hipóteses análogas.
[1] Pela categoria: “crime” se entende, segundo o conceito formal, que é toda a violação da Lei Penal, delito, ou seja, todo ato doloso, desde que a Lei existente antes do fato assim o defina. Fato pétreo, por determinação do inc. XXXIX do art. 5º da CF: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Contudo, considera-se neste estudo tão somente aquele delito mais abrangente e genérico, qual seja: a hipótese penal do art. 171 do Código Penal: tem-se como crime a conduta de “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa (...)”.
[2] A denúncia ao juiz geralmente leva à abertura de um processo judicial ou investigação para determinar se houve infração da lei e, se for o caso, para tomar as medidas legais aplicáveis.
[3] Alertar o juiz envolve apenas o ato de chamar a atenção do juiz para uma questão específica que possa afetar o processo legal ou a equidade do julgamento. O objetivo de alertar o juiz é garantir que o juízo tenha conhecimento de possíveis questões, como conflitos de interesse, irregularidades procedimentais ou comportamentos inadequados, para que o magistrado possa tomar medidas, como revisões ou avaliações de questões fáticas.
[4] RIR/2018 – “Art. 293. Caracteriza-se como omissão no registro de receita, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção, a ocorrência das seguintes hipóteses (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, § 2º ; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 40 ): I - a indicação na escrituração de saldo credor de caixa; II - a falta de escrituração de pagamentos efetuados; ou III - a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou cuja exigibilidade não seja comprovada.”
[5] HOOG, Wilson A. Z. Prova Pericial Contábil – Teoria e Prática. 17. ed., Curitiba: Juruá, 2022.
[6] Não considerar na apuração de haveres o saldo do “caixa dois”, pelo fato de que o criminoso não pode se beneficiar de sua torpeza, é uma questão a ser enfrentada pelo juiz, e o perito, simplesmente vai cumprir a determinação judicial.
[7] DOSSIÊ CONTÁBIL PROBANTE – representa uma coleção de documentos e informações referentes a uma prova de um fato ou ato patrimonial que se pretende demonstrar. Este conjunto de documentos e informações é útil à elaboração dos quesitos, bem como, ao preparo e formação de um laudo ou de um parecer contábil. A categoria “dossiê” é muito usada no sentido de “relatório” sobre alguém ou sobre algum fato. Este relatório, ou seja, este dossiê, pode conter informações probantes a favor ou contra; ou pode ser simplesmente uma falácia. Dossier ou dossiê, é um conjunto organizado de documentos que contém informações relativas a um determinado assunto, processo ou pessoa. (HOOG, Wilson A. Moderno Dicionário Contábil. 11. ed., Juruá, 2020.)
[1] Wilson A. Zappa Hoog é sócio do Laboratório de perícia forense-arbitral Zappa Hoog & Petrenco, perito em contabilidade e mestre em direito, pesquisador, doutrinador, epistemólogo, com 48 livros publicados, sendo que alguns dos livros já atingiram a marca de 11 e de 16 edições.