Apesar de amplamente esperadas, as medidas de estímulo ao crédito adotadas pelo Banco Central Europeu (BCE) na semana passada produziram um estalo atordoante na cabeça dos investidores globais: o mundo relevante enfrenta um grave problema de anorexia econômica, a inflação está morta em toda parte (exceto em países exóticos sul-americanos) e a terapia vastamente recomendada é um grau maior de flexibilização monetária. Não ocorre a ninguém o uso de ferramentais fiscais de expansão econômica, um tabu em toda parte, exceto naqueles países bizarros. O BCE desencadeou na quinta-feira uma nova corrida de baixa global dos juros. Foi, no dia seguinte, inesperadamente acompanhado pelo México, cujo BC reduziu a taxa básica em 0,50%, para 3%. Os capitais voláteis intensificarão a caça aos ativos que não entrarão nessa disputa. Qual país não pode nem pensar em entrar nela?
É um país esquisito que, embora esteja entrando em recessão, vê-se paradoxalmente açoitado por uma inflação na casa dos 6,5%. Na sexta-feira o IBGE divulgou o IPCA de maio. A taxa subiu 0,46%, desacelerando em relação à alta de 0,67% de abril. O índice oficial de inflação desce a escada. Finalmente, o aperto monetário está dando certo e, enfim, a inflação brasileira vai convergir para a meta central? Nada disso. No acumulado de 12 meses, o IPCA sobe a escada: 6,28% em abril, 6,38% em maio e pode vazar o teto de 6,5% da meta, se não este mês, no próximo. Deve fechar o ano entre 6,3% e 6,5%, um índice bem mais alto do que os 5,91% de 2013. E essa inflação persevera não obstante a pesada desaceleração da atividade. A economia já pode estar entrando em recessão e o PIB, por causa do arrasto estatístico, conseguiria crescer este ano não muito mais do que 1%. A recessão recomendaria ao BC entrar na corrida do juro baixo na qual já estão os EUA, a Europa e o México. Logo a China anunciará medidas de afrouxamento das rédeas da liquidez.
Os EUA vão ter de adiar para mais longe a sua intenção de normalizar as condições monetárias. Quando não são ruins, os indicadores se mostram tão-somente razoáveis. A economia não deslancha. A culpa não deve ser buscada nos cortes de liquidez feitos mensalmente pelo Federal Reserve (Fed), uma vez que o montante subtraído está sendo reposto por capitais vindos de fora. E, por isso, os juros das treasuries não conseguem subir. A taxa da T-Note de 10 anos permaneceu na sexta-feira nos mesmos 2,59% da véspera, apesar de ter saído um “payroll” um pouco melhor do que as expectativas. Foram criadas novas 216 mil vagas de emprego em maio, quando os analistas supunham a geração de 210 mil. Mas a taxa de desemprego permaneceu estável em 6,3%. O desemprego elevado ainda é um motivo de muito desconforto para o Fed. “Muitos americanos que perderam o emprego durante a crise ainda não conseguiram voltar para o mercado de trabalho”, observa o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.
Mas a inflação não deixa o Brasil entrar na guerra do juro baixo. O que o BC pode e vai fazer é congelar a Selic em 11%, e tentar manter o juro real perto de 5% por meio da utilização do consagrado e controvertido instrumento anti-inflacionário conhecido pelo nome de âncora cambial. O BC não pode deixar que a taxa de câmbio, cuja apreciação recente (4,5% desde o início do ano) ajudou na queda do IPCA, venha a juntar forças com pesos-pesados, como a recomposição dos preços públicos defasados, abrindo uma nova frente inflacionária, cujo combate exigiria uma sobrecarga da política monetária. A tarefa hoje, prioridade do BC, é impedir que o dólar vá além de R$ 2,30.
A missão não parece complicada já que a guerra do juro baixo empurrará fartos capitais de especulação para o Brasil. Mas não poderá cometer a extravagância de baixar a guarda em seu programa de intervenção cambial. Manter a guarda elevada significa, primeiro, renovar a maior parte dos US$ 10,06 bilhões em swaps cambiais antigos que vencerão no dia 1º. Em princípio, a sua sinalização é de que revalidará quase 87% do lote, ante 50% rolados em maio e 25% em abril. Segundo: estender até o fim do ano, nas bases atuais, o fornecimento de hedge ao mercado. No dia 30 acaba a segunda etapa do programa de intervenção, limitado, atualmente, ao leilão semanal de US$ 1 bilhão em swaps novos. Na noite de sexta-feira, o BC emitiu nota confirmando a manutenção da blindagem. Sem detalhar volumes e condições, informou que o programa continuará a partir do dia 1º.
O pregão de juros futuros da BM&F já recebeu, na sexta-feira, os estilhaços do movimento de redução global de juros. Ignorando a decepção com o IPCA de maio, a taxa do contrato que mais reflete a conjuntura externa, com vencimento em janeiro de 2017, tombou de 11,64% para 11,50%. O dólar caiu 0,50% na sexta, cotado a R$ 2,2496. O câmbio não foi contagiado pelas comemorações dos resultados da pesquisa Datafolha acontecidas na Bovespa. As intenções de voto à presidente Dilma Rousseff caíram de 37% para 34%, atingindo o patamar que o mercado tanto esperava, pois pode tornar necessária a realização de um segundo turno. O problema foi que Aécio Neves e Eduardo Campos também caíram. O eleitor parece querer alguém que não está na lista.
O feriado municipal paulistano de quinta-feira, dia da abertura da Copa do Mundo, fecha os pregões da BM&F/Bovespa. E as negociações com dólar à vista, desprovidas do referencial fornecido pelos mercados futuros, ficarão restritas a praças fora de São Paulo. A definição dos juros prefixados das aplicações financeiras ficará comprometida pela ausência do balizamento fornecido pelo segmento de juros futuros da BM&F. Será, portanto, um dia esvaziado no mercado financeiro. Nesta semana, mais alguns indicadores domésticos deverão confirmar o declínio da atividade econômica. A Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) de abril será divulgada pelo IBGE na quinta-feira e a expectativa é de uma queda em torno de 1% para as vendas pelo conceito restrito. No dia seguinte, o BC revela o seu Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) também para abril e a FGV publica a sua Sondagem de Investimentos relativa a maio.