Após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editar, no fim de junho, norma que regulamenta fundos de ações de pequenas e médias empresas – o chamado "mercado de acesso" –, o governo federal cumpriu o prometido: no último dia 10 foi editada a MP 651, "pacote de bondades" que, entre outros itens, inclui isenção de 15% de Imposto de Renda (IR) sobre os ganhos de capital de pequenas e médias empresas. O objetivo é incentivá-las a entrar no mercado de capitais, em um processo que beneficia também os investidores. A expectativa é de que a novidade atraia pessoas físicas para o mercado de ações, desejo antigo da BM&FBovespa.
Se entrar no mercado e ter bons ganhos na bolsa é complexo até para os mais afeitos ao risco, no entanto, o pequeno investidor deve ficar atento às peculiaridades das ações de pequenas empresas (como o baixo volume de negócios), principalmente se olhar a isenção fiscal como "o empurrão que faltava" para optar por esse tipo de investimento.
Especialistas são unânimes em afirmar que, num primeiro momento, investir nesse tipo de ação ou em fundos de papéis de empresas menores é indicador apenas para investidores experientes. "Isso é coisa para os qualificados, com patrimônio mínimo de R$ 300 mil em liquidez resultante de aplicações financeiras", explica Wagner Faccini Salaverry, sócio-diretor de estratégia da Quantitas. Segundo ele, a liquidez menor envolve maior risco. "É possível que os gestores de fundos estabeleçam regras diferentes; por isso é importante saber como será a política de investimento. O acompanhamento deve ser maior que o normal."
Amerson Magalhães, diretor da Easynvest Título Corretora, tem opinião semelhante. Por não terem histórico na bolsa, essas empresas de menor porte terão que fazer grande divulgação das ações, ainda em fase de consolidação. Por isso, só o investidor que conhece mais os riscos do mercado aceitará investir parte do capital nesse tipo de ativo. "Mas isso não quer dizer que o investidor vai perder mais: o fato é que eventualmente pode ganhar mais se investir em ações de empresas já consolidadas", afirma.
Outra unanimidade entre os especialistas é a isenção do IR. Pedro Galdi, analista de investimentos da corretora SLW e vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec-SP) é enfático: para ele, não adianta pensar nisso. "O programa pode não vingar", afirma. Já Salaverry afirma não ver o incentivo fiscal como determinante para atrair o pequeno investidor. "Quem quer investir na bolsa não deve começar por aí. Não vejo como opção destinar parte do capital exclusivamente pela questão tributária. O importante é avaliar qual a expectativa de ganho e o risco de perda. É melhor uma quantidade razoável de recursos aplicados em ações mais conservadores, para oferecer menor risco ao portfólio", afirma.
No final das contas, qual é a vantagem da MP 651 para o pequeno investidor, já que o próprio governo afirmou que essa é uma forma de capitalizar empresas de menor porte com custos menores? Para explicar, Galdi faz um retrospecto do mercado de capitais ao lembrar da euforia dos IPOs (oferta pública inicial de ações, na sigla em inglês) dos últimos dez anos, das altas explosivas da bolsa antes da crise de 2008, e da queda de mais de 50% depois dela. A partir de 2010, a situação no Brasil piorou, desestimulou o investidor, fez as empresas lançarem papéis mais baratos, paralisou as emissões de ações e fez até algumas fecharem capital por causa das incertezas da economia.
"A MP foi a forma de ajudar o mercado de capitais, já que os bancos ficaram mais seletivos, com medo da inadimplência, e o BNDES emprestou dinheiro para muita gente. Ou seja, com a depreciação da carteira de ações, foi uma forma de angariar capital a curto prazo", explica Galdi. Para ele, o programa só é bom no médio prazo, já que no curto a economia dá sinais de incerteza, o ano é de eleições, e o empresário fica com aversão ao risco de se expor neste momento. "O plano é atrair o investidor pessoa física. Mas como de trata de ações de empresas pequenas, vai ser preciso avaliar se a empresa tem estrutura que justifique o retorno. É investimento com maturação de longo prazo." Salaverry diz que para fomentar o mercado de acesso é preciso trabalhar muito bem questões como a disposição dos empresários das pequenas e médias empresas em negociar preços não tão elevados para as ações. "Será preciso oferecer atratividade, descontos, condições que permitam ao pequeno investidor correr o risco", acrescenta.
Mas não tem mágica, segundo o especialista da Quantitas: se o movimento não aconteceu quando a economia era favorável e os pequenos empresários poderiam vender ações a preços mais altos, não é agora, "pela ideia brilhante do Mantega", que isso vai acontecer. "Eles não vão baixar suas expectativas, e esse mercado talvez não decole. Como não decolou o Bovespa Mais", conclui, referindo-se ao segmento de listagem criado há dez anos e voltado para empresas que querem ingressar na bolsa de maneira gradativa, para ir ganhando visibilidade dos investidores, mas que hoje tem apenas nove empresas listadas.
Regras e efeitos da MP
– Para a isenção tributária, só se enquadram ações de empresas que tenham valor de mercado no momento da abertura de capital de até R$ 700 milhões e receita bruta no exercício anterior de até R$ 500 milhões.
– A oferta de recursos deve ser majoritariamente primária e as empresas têm que estar predispostas a serem listadas em segmentos com padrões de governança corporativa, além de apurarem o IR em regime de Lucro Real.
– O governo estima que 200 PMEs possam abrir capital. A BM&FBovespa informa que 50 empresas já teriam perfil para entrar no mercado acionário.
– Os fundos de investimentos com no mínimo 67% dessas ações também estarão isentos de IR.
– O incentivo vale de sua publicação (10 de julho) até 31/12/2023.